Ambiente tem forte influência na dependência de drogas, mostra estudo

Pesquisadores observaram comportamento e estruturas cerebrais de camundongos após desenvolvimento de vício em cocaína; entenda
Por Julia Moióli | Agência FAPESP

31/05/2023 17h25  Atualizado há 7 meses


 
Pesquisadores observaram comportamento e estruturas cerebrais de camundongos após desenvolvimento de vício em cocaína e observaram maior agitação e ativação encefálica nos animais
Pesquisadores observaram comportamento e estruturas cerebrais de camundongos após desenvolvimento de vício em cocaína e observaram maior agitação e ativação encefálica nos animais — Foto: arquivo do pesquisador
O contexto ambiental desempenha um papel fundamental na compulsão por drogas de abuso, funcionando como uma espécie de gatilho, revela um estudo que envolveu pesquisadores das universidades Federal de São Paulo (Unifesp), Federal do Espírito Santo (Ufes), Estadual de Santa Cruz (Uesc) e de Bristol (Inglaterra). O grupo analisou o comportamento e as estruturas cerebrais envolvidas no processo de dependência por cocaína em modelo animal. Os resultados foram publicados recentemente na revista Biomedicines.

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“Foi surpreendente ver a força do ambiente interferindo no contexto da dependência, algo que, de acordo com a literatura científica, acontece com diversas drogas com potencial de abuso, lícitas e ilícitas, como álcool e opioides”, diz Beatriz Monteiro Longo, professora de neurofisiologia da Unifesp e coordenadora do trabalho.

O estudo contou com apoio da FAPESP por meio de dois projetos (22/10520-0 e 2022/00249-8) e acompanhou camundongos fêmeas (escolhidas pela maior suscetibilidade a drogas e pela resposta comportamental rápida, conforme estabelecido na literatura) em dois experimentos que envolviam a injeção de cocaína tanto nas gaiolas-moradia, onde os animais passavam a maior parte do tempo, quanto em um local neutro, chamado pelos cientistas de campo aberto.

As duas experiências seguiram a mesma rotina. Inicialmente, houve uma fase de preparação, na qual, durante três dias consecutivos, todos os animais foram levados por dez minutos ao campo aberto para se habituarem. Ao final, sua atividade locomotora basal foi medida e eles foram distribuídos em três grupos.

Os animais do grupo que funcionou como controle receberam apenas solução salina dentro de suas gaiolas-moradia, cinco minutos antes de serem levados ao campo aberto, onde permaneceram por dez minutos. Então, retornaram à moradia, onde, duas horas mais tarde, receberam novamente solução salina. Para os animais do segundo grupo, foi administrada uma primeira injeção de cocaína durante a permanência no campo aberto e, após duas horas, os animais receberam uma segunda injeção, mas de solução salina, em suas gaiolas-casa. Ao terceiro grupo foi dada a primeira injeção de solução salina no campo aberto e a segunda injeção de cocaína nas gaiolas. Ou seja, os dois grupos que receberam cocaína tiveram o mesmo histórico farmacológico (receberam a mesma droga na mesma dose), sendo que um grupo associava os efeitos psicoestimulantes da cocaína com o ambiente (campo aberto) e o outro, não.

A intervenção foi feita a cada dois dias, durante duas semanas, tempo suficiente para o desenvolvimento da dependência, que foi observada por uma resposta comportamental progressiva e persistente de hiperlocomoção.

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No primeiro experimento, a atividade locomotora dos animais voltou a ser avaliada no último dia de tratamento. O grupo que recebeu cocaína de forma pareada ao campo aberto apresentou aumento significativo na atividade locomotora quando comparado ao grupo-controle e a ele mesmo no primeiro dia de injeção.

No segundo experimento, depois de todo o procedimento, os camundongos foram mantidos por dez dias em suas gaiolas sem receber substâncias para, então, serem ali desafiados com cocaína e, na sequência, serem expostos ao campo aberto por dez minutos.

Como esperado, os dois grupos que haviam recebido a droga apresentaram aumento na atividade locomotora. Porém, no grupo injetado com cocaína no campo aberto, a movimentação foi ainda mais intensa. Segundo os pesquisadores, essa agitação retrata o efeito farmacológico da droga, que se soma ao efeito do ambiente na fase de expressão da dependência, que mimetizaria o desejo compulsivo pela droga em humanos quando o vício já está estabelecido.

“Para entendermos o que isso significa em seres humanos, basta pensar na pessoa que sempre bebe em determinado barzinho e, quando passa na frente dele, imediatamente sente vontade de entrar e tomar uma cerveja”, exemplifica Longo.

O que acontece no cérebro
Para acompanhar como cada etapa do desenvolvimento da dependência funciona os cientistas analisaram, além do comportamento, as diferentes estruturas encefálicas dos animais dos três grupos por meio da quantificação da proteína c-Fos, que funciona como um marcador da atividade neuronal e regulador intracelular das alterações causadas pela cocaína. Nessa avaliação foi empregada uma inovadora análise quantitativa de imagens 3D, conhecida como estereologia. Os cientistas constataram a ativação de áreas límbicas, relacionadas ao controle de emoções e comportamentos.

“Observamos ainda que as áreas cerebrais com atividades aumentadas são diferentes de uma fase para a outra: na primeira [fase da indução], todas as áreas do sistema límbico investigadas [córtex pré-frontal dorsomedial, núcleo accumbens core, amígdala basolateral e área tegmental ventral] estavam mais ativadas, mostrando que essas estruturas seriam importantes para o desenvolvimento da dependência; já na expressão da dependência [vício cestabelecido], algumas não estavam expressas”, diz Renan Santos-Baldaia, doutor em farmacologia, professor da Universidade Nove de Julho (Uninove) e primeiro autor do estudo. Foi o caso da área tegmental ventral, importante para a liberação de dopamina, neurotransmissor ligado ao sistema de recompensa do cérebro, o que sugere que as áreas analisadas participam de forma distinta nas duas fases.

Tratamento e políticas públicas
Os resultados do estudo ajudam a apontar possíveis caminhos para o tratamento da dependência química. “Por conta de sua complexidade, envolvendo inúmeras estruturas encefálicas, e do impacto que sofre do ambiente, modulá-la apenas farmacologicamente talvez não seja a melhor alternativa – atuar no ambiente, inclusive, talvez seja mais viável”, acredita Santos-Baldaia.

“Além disso, sabendo que o ambiente tem tanta influência no vício, será que a melhor opção para um dependente químico é isolá-lo da sociedade em uma clínica de reabilitação, que o tira do contexto, mas leva a uma chance de recaída muito grande no retorno ao ambiente anterior? Ou seria melhor, de alguma forma, substituir o prazer farmacológico?”

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Nesse caso, o estudo acende um alerta importante para a necessidade de políticas públicas que transformem ambientes sem oportunidades culturais e de lazer, como as periferias, por exemplo, para que o prazer farmacológico não seja a única opção.

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